Amor Prato-feito ou Amor Strogonoff. O que faz você feliz?

Amor enche. Enche o coração de esperança na iminência de um telefonema, enche a alma de felicidade quando correspondido, enche a cabeça de preocupação na desconfiança de um chifre. Não raro, enche o saco – quando ela liga oito vezes no mesmo dia ou quando ele quer saber com detalhes cada um dos seus passos. E, ao contrário do que a sua avó sempre atestou, enche barriga, sim. Afinal, você não nasceu da sementinha da melancia e muito menos foi encomenda da cegonha. Já ouvi falar em amor que enche barriga durante nove meses. Ou sete, em caso de parto prematuro. Por enquanto, que Deus, a camisinha e o anticoncepcional me livrem disso tudo. Aos 23 anos e cheia de saúde, eu quero mesmo é amor que me encha a barriga durante um dia. E que a fome não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinita enquanto dure.
Se amor não fosse feito para estar em dia com a fome, “comer” não seria variante linguística de “transar”. E aí, quando a fome bate numa pobre universitária que mal tem comida na geladeira da república, resta abrir o cardápio de amores (também conhecido como agenda telefônica) e decidir entre a grande divisão alimentar do mundo sexual moderno: de um lado a espécie prato-feito; do outro, a espécie strogonoff. Eu, que coloco uma pimentinha, raspo o prato, repito a porção e lambo os beiços, acho tarefa das mais árduas escolher entre um homem strogonoff e um homem prato-feito. Se desse – e um dia há (hei) de dar – eu colocava tudo no mesmo prato. Fundo, que é pra não correr o risco de escorrer homem pelas bordas. Jogava uma farinha pra fazer um belo reboco e mandava tudo entranhas abaixo.
Para bater um PF, minha cara, você precisa descer do salto quinze e arregaçar as mangas dessa sua camisa Dudalina. O prato é grande, farto, generoso. Tão generoso que daria pra alimentar com louvor uma Somália inteira. De quarta, é feijoada completa, com direito a linguiça – e que linguiça! –, paio, carne seca, pé e joelho de porco. A pimenta é daquelas malaguetas que estão no vidrinho, curtidas em azeite e cachaça desde maio de 2005. Aliás, é tanta pimenta que a gente levanta da mesa com o suor vertendo por todos os poros do corpo. O homem PF tem tudo para gerar uma mistura explosiva: boca predadora, braços fortes, mãos ásperas, pernas inquietas. Só que a explosão que ele provoca é infinitamente mais digna do que o estouro de uma bomba atômica: a guerra contra o homem PF é invariavelmente uma sensual disputa territorial sob os lençóis. E vou antecipar: ele sempre ganha. Eu, que sou mulher de honrar meus compromissos, quando bato um PF, gosto mesmo é de engolir tudinho. Aí, é levantar, lavar a louça e ficar entregue na cama o restante do dia, com aquela moleza nas pernas e aquela preguiça gostosa de encarar o mundo. Quem prova um homem PF nunca mais esquece. O homem PF exige esforço e, mais do que isso, disposição. São quilômetros quadrados de homem, feitos para serem comidos uma vez por semana – afinal, deixam uma indigestão da qual Pepsamar nenhum consegue dar conta.
Para as menos gulosas, o bom Deus inventou o homem strogonoff, aquela iguaria cheirosa, macia e que, com toda a finesse francesa que lhe é peculiar, cai muito bem em doses homeopáticas. O homem strogonoff é a página sete da dieta das proteínas, parte integrante da dieta detox e supereconômico na dieta dos pontos. Acompanhado de um bom vinho, dá pra comer de pouquinho em pouquinho a noite inteira, que ainda sobra fome suficiente para repetir a dose no café da manhã. Todo homem strogonoff é bom de acariciar. Aquela pele lisinha, aquele calor sutil de quem acabou de sair da panela, aquele tamanho econômico que cabe bem num colchão de solteiro, aquela carne selecionada que embala divinamente um sono de conchinha. Comer um homem strogonoff e se lambuzar com o molho cremoso é padecer no paraíso gastronômico. Depois de feita a sujeira, pra resolver é simples: basta pegar um guardanapo e limpar a boca. Lavar a louça só no fim do dia – afinal, quem prova um homem strogonoff quer repetir o prato em fração de segundos.
E aí, entre PFs e strogonoffs, a gente vai enchendo o papo de amor, vez ou outra cuspindo no prato em que comeu pra depois comer no prato em que cuspiu. Afinal, no self-service da vida, a lei é o reaproveitamento para evitar desperdício. Se tu não quer, meu bem, tem quem queira.
 
 
Texto de Bruna Grotti.

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