Só alguém como você...


No bar. Só depois de uns trinta minutos que tínhamos cruzado olhares recatados é que resolveu chegar mais. Um pouco escabelada e as bochechas inchadas, do mesmo jeito que sempre ficava se bebia tequila sunrise pra tomar coragem de alguma ação noturna. Mais ou menos como vir até meu canto e perguntar se guardava algum rancor. Disse que ia mesmo ligar e tal, mas sei lá, era complicado. Rancor? Mas que nada. Tudo bem, já passou. Um beijo e me deixa ver o show.

Segundos antes do sono, um torpedo. Dizendo que sente falta e, quem sabe um dia, talvez, a gente possa se encontrar pra conversar em algum café. Em pessoa, como antes. Esperava realmente aquilo dando certo, por méritos a gente merecia nova chance. E no fim, jurou pela milésima vez que o plano não era me atropelar. A abstinência era uma coisa boa por um lado, nunca mais esqueceu a geometria e o balanceamento do carro. Respondi que tudo bem, a perna já andava boa. A raiva aquela passou.

Esses dias uma ex-namorada me viu do outro lado da rua e nem percebi. A torcida do meu time do coração tem cânticos personalizados com o nome da ninfo. Não pagou uma caixa de fósforos durante todo o tempo que ficamos juntos, mas não faltou fogo pra sair com vários muy amigos meus. Puta? Que isso, ela só tinha amor demais para dar. Aí me ligou pra dizer que me viu e meu cabelo assim maior fica bom. Ah, e também me avisar que, às vezes, precisa morder o lábio inferior pra não dizer meu nome em serviço. Poxa, que honra. Bacana isso aí. Rancor nenhum, imagina.

Todas elas e seus defeitinhos pensam ser alguém como você, olha só. Se acham assim, memoráveis. Que merecem minha raiva e rancor. Amores de fácil adeus. Quando a gente ama, mas os defeitos são condenáveis, fica acessível deixar passar. Perversão é omitir de nós mesmos, quem amamos por inteiro, alguém cuja combinação de qualidades e defeitos resultava numa companhia incomparável. Assim, tentar esquecer é lembrar. E lembrar você dá raiva. Você é dona do meu melhor rancor.

Me dá raiva lembrar do seu jeitinho maternal sempre que eu contraía um resfriado. Ou quando no meio da TPM você chorava com os ceguinhos esperando pra atravessar a rua. Rancor eu guardo da recordação vívida que tenho sua, assassinando a reputação da Adriana Calcanhoto debaixo do chuveiro, toda gasguita. Rancor de quando você caminhava até a grama da frente pra esperar a chuva, com aquele vestido branco cheio de violetinhas, havaianas e aqueles anéis desgraçados de cabelo desafiando o vento e tampando um olho bonito.

Rancor porque ainda sei exatamente como você diria com insensatez, dando os ombros, que a tragédia no oriente é carma, sempre desdenhando as doenças sociais mundanas. E ao mesmo tempo sentia aquela atração irremediável pelas futilidades da Victoria's Secret. Claro, sem comparar da raiva que sinto de não esquecer aquele seu jeito sapeca e meio homenzinho de viver, me fazendo desejar um dia uma coisinha pequena com o xerox daquele seu riso solto, enchendo o saco e correndo pelo apartamento.

Só alguém como você é capaz de causar raiva ou rancor. Muitas pessoas pousam, muitos amores possíves não vingam, muitas paixões não dão certo. Choro, me culpo, me arrependo, permito, desisto, persigo, corro, dou as costas, piso, sinto saudade, me precipito, telefono, me atraso. Sim, no mundo existem mil pessoas capazes de nos despertar amor, se a gente parar pra sentir.

Mas raiva e rancor? (Risos) Raiva e rancor só merece quem se foi sem uma explicação convincente e nunca mais sequer procurou, deixando lacunas que nenhum outro adeus até hoje teve audácia de apagar. Pra você - e não menos que alguém como você - guardei e dedico toda minha raiva e rancor. E o meu amor também.
"Você percebe que os relacionamentos não são uma escola e tudo que aprendeu sobre amor pode não servir para porra nenhuma futuramente." (Gabito Nunes)
Vem dar valor ao que é bom nessa vida que é tolice viver por viver, e já é dia de deixar pra trás a dor e o "tanto faz". É cedo ainda.
Tudo mudou. O que foi que aconteceu que de repente acordamos nesses dias? Ainda posso sentir o sabor do que a gente perdeu. E ainda penso em você, acredita?
E quando elE sorri, todos os sons à sua volta adentram o ouvido em forma de Tom Jobim. Ele é o resumo do balanço do mar." *_______*
(Gabito Nunes)

Fala comigo

 
Você anda triste, quieto e nervoso, e não fala comigo. Isso me irrita e dá câncer. Odeio me dar conta que no final somos felizes apenas em fotografias. Que nossos sorrisos em conjunto cabem muito bem no colorido e luminoso do papel. Nas brigas recorrentes, sorrisos só de ironia e sarcasmo, sorrisos que se calam depois de portas batidas. Eu não perco por me angustiar, você brinca com minha aflição. Quanto tempo demora pra esfriar uma cabeça? A minha congelou e você nem desceu as escadas. Eu ligo, mas este telefone está impossibilitado de receber chamadas. Ou não atende por pirraça.

Isso de viver intensamente, à flor da pele, usando contra mim os espinhos que deviam me proteger, já me rendeu lágrimas e dores de cabeça. Eu vivo como se cada dia ao seu lado fosse o último, meu medo é um dia acertar. Volta correndo pra cá, não aprendi a esperar. Você me dá certezas, mas sempre me deixa com vagas promessas. Parece que foi, mas talvez possa voltar. Mas não responde. Parece até saber que fico assustadoramente feliz com esse melodrama de ser uma mulher incessantemente triste.

Aí você me liga mais tarde e diz sentir falta minha. E que agora devo estar andando de lado a lado, agoniada, em busca de sinal. E revirando fotografias. Eu odeio fotografias e sua intuição barata. Você acha que sabe tudo sobre meus gestos e segredos e isso me deixa claustrofóbica justamente por ser verdade. Parece assim que você me fez. Então eu me faço. Fria e indiferente, numa crueldade que só uma mulher machucada é capaz. Mas você me olha e me enxerga e isso me apavora. É por isso que tento esconder no telefone minha vontade de passar 50 dias inteiros por semana contigo, nervoso, fitando o nada, tanto faz.

E mesmo com o coração cheio de nós, não dou o braço a torcer. Minha infelicidade vem de tempos, depois da sua aparição, ela só ficou mais sorridente. Abro a porta e grudo os olhos num filme dublado ou na janela aberta, pra fazer um "quê" de que o mundo lá fora tem argumentos melhores que os seus. Porque tudo me importa mais que sua voz convincente. E não me toca enquanto fala, ou meus poros e pelos me passam pra trás e assim meu jogo não vai pra frente. Vai falando, digo daqui se tá ou quente ou tá frio.

Não me resta dúvida, comigo você tem uma dívida. Não importa quantas vezes me fez rir e gemer no escuro do edredom, olha na minha cara de "vivo-feliz-com-ou-sem-você" e me diz se já não é hora de desafogar minhas pendências femininas, te contar de cada ofego, cada medo, cada lamúrio meu, tudo mentira, só pra ver se você tá mesmo atento. Sua impaciência te deixa mais burro que a porta que se fecha. Você diz que sou feito uma pedra no caminho do nosso acordo, mas só se for um daqueles montinhos de açúcar que empedram com o tempo e logo derretem no calor da boca.

É claro que aceito beijos e desculpas, minha desconversa é um mecanismo pra separar os babacas dos frouxos dos escrotos. E eu até estranho você ser um moço tão bacana, que só anda nervoso, achando que vai dar tudo errado em algum plano que não sei qual é. Pode ficar, eu deixo, mas só se você pegar no tranco e falar. Não sou sua mãe, mas pode chorar um pouco se quiser. É até bem bonitinho. Me deixa provar que também sei ouvir, pra depois a gente decidir onde comer e tudo seguir dando certo.

Gabito Nunes ...
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"Sempre que eu preciso me desconectar, todos os caminhos levam ao mesmo lugar... É meu esconderijo, o meu altar, quando todo mundo quer me crucificar... Eu só quero estar com você... Ficar com você... Quando o tempo fecha e o céu quer desabar, perto do limite, difícil de agüentar, eu volto pra casa e te peço pra ficar, em silêncio, só ficar... Eu tenho muitos amigos, tenho discos e livros, mas quando eu mais preciso eu só tenho você... Tenho sorte e juízo, cartão de crédito e um imenso disco rígido, mas quando eu mais preciso... eu só tenho você. Tenho a consciência em paz. (só tenho você)... Tenho mais do que eu preciso. (só tenho você)... Mas, se eu preciso de paz, eu só tenho você.
Tenho muito mais dúvidas do que certezas. Hoje, com certeza, eu só tenho você. Eu tenho medo de cobras... Já tive medo do escuro... Tenho medo de te perder.”

Éramos incapazes de realizar o sonho um do outro e desenvolvemos defesas particulares para tocar a vida adiante. Uma dessas defesas foi o sumiço. Foi a vitória da paciência sobre a ansiedade. A vitória do silêncio sobre o 'volta pra mim'.

(Martha Medeiros- Fora de mim)