Último Adeus

Se é a sua vontade, pode ir, vai. Mas antes me deixa ficar com algum pedaço seu, alguma lembrança oca, uma ilusão qualquer pra me agarrar quando a saudade arrombar a porta aqui de casa, uma migalha que seja. Uma dor de saudades de você deve ser o bicho mais próximo da morte que um homem pode enfrentar sem ter morrido. Te perder é morrer sem ter direito a descanso, eu acho. É isso mesmo, acho que é isso. Então já que é pra ir, me deixa essa lembrança?

Me dá sua mão. Me deixa chupar teus dedos, sentir o sabor salgado da sujeira das suas mãos,  para lembrar do salgado do seu suor pingando na minha boca enquanto fazíamos amor, o gelado dos teus ossos, o tremular do seu corpo quando se lembrar do calor que minha língua e a sensação que te causava quando passava ela molhada em lugares seus que são somente meus. Me deixa amargar sua boca com esse sabor de mulher maldita , para ficar preso feito noda na sua boca. Quero te beijar com calma, e me torturar com teu sexo, nossa aliança, nosso elo e nosso martírio.
Quero te ver nu pela última vez, como um quadro de carne e osso que um dia eu tive em minha casa. Me deixa ver seu desenho, seu formato, decorar de novo todos os seus sinais, suas expressões, todos seus sorrisos, olhares e estudar detalhes para tentar fazer uma cópia. Um dia, se Deus quiser, vou conseguir fazer uma cópia. Quero te refazer e apagar todas as historias, todo passado conhecido, todos os segredos contados, te refazer de um jeito que eu consiga aguentar. Uma cópia perfeita, sem memória de elefante, e inseguranças assustadoras, me apresentar novamente de baú fechado, para que meu coração não seja esmurrado e não morra ao menor sinal de dúvida, uma cópia que me permita à ilusão da perfeição e que me tire à certeza da insatisfação, da saudade e dos cabelos sem cor esperando você chegar nos meus sonhos.
Preciso da garantia que você não vai sofrer, um consolo que alivie a dor do desapontamento de te ver dizer que estava enganado. Quero você percorrendo com a ponta dos dedos cada risco marcado na minha pele com olhar crítico, te ouvir reclamar das minhas estrias,  da minha bunda mole e esparramada dos meus peitos cansados e o bafo horrível da minha boca quando é de manhã, preciso do tiro no peito ao te ver desapaixonar, e ver você admitir para si mesmo “tá vendo, ela não é perfeita, essa mulher não é tudo isso”, algo que me puxe de volta e me faça poder dormir em paz, carregando somente o peso da perda do bem mais precioso, carregando apenas o meu luto.
Amor, se não houvesse o medo e a certeza do mal que te causo na minha solidão até seus piores defeitos me serviriam de companhia, mas você é tão mais que tudo isso, um ser humano quase irreal e eu não vou te dar paz, eu já sei, minhas imperfeições de mulher são parte de todo esse monstro cruel que agora está te deixando.
Eu pediria pra você ficar se houvesse alguma força, mas sou tão fraca, “minhas dúvidas são traídoras”, e minhas certezas me tiram o sopro de esperança. E o sofrer de ver você  indo atrás do vento do outro lado da janela, não é maior do que o sofrimento de ver tudo ser devastado como poeira que é arrastada para cair no esquecimento. O ciclo é esse, mas dói demais te ver indo pra não lhe ter mais.
Que seu rosto petrificado continue lindo e que seus sorrisos se mantenham avassaladores, mesmo que agora sejam presentes endereçados a outra pessoa. Que seu suor continue sendo mais forte que o sal da terra, seus olhos mais negros que o silêncio da morte e que, se puder, não se esqueça de mim, mesmo que se esqueça do que fui, do que fomos. Tenho fé que você vai se refazer, vou rezar para que fique bem.
 Esse é meu último adeus, (já disse isso, eu sei). É que é ruim demais deixar alguém pra trás, não é?

É uma despedida eterna, dia após dia. É como se um adeus durasse a eternidade de alguns instantes. Não sei quantos mais eu vou ter que te dar.... Adeus meu amor.
***Inspirado no Texto Original de Daniel Braz.

Aquela coisa chamada saudade


Nada nesse mundo tem mais toneladas do que a saudade, nada. Saudade é uma dor imensurável e sufocante presente em cada hiato. É sentimento abstrato que esmaga o peito como se fosse concreto. A saudade é a vírgula quilométrica enraizada entre dois pontos, dos muitos textos que a vida infelizmente pausa por falta de prosa e até pelo excesso de rosas. 


Saudade afia os ponteiros do relógio, transforma poucas horas em cortes profundos, dominados por flashbacks com ardor de álcool cuspido sobre ferida aberta, aparentemente incicatrizável. A saudade nos afoga com as águas calmas do passado, desfoca o presente e congela o futuro como faz o frio polar de uma nevasca. 
A saudade transforma qualquer música em motivo para pensar naquilo que partiu dentro de um avião, que nunca deveria decolar, nem por decreto do Papa. Saudade é emoção indivisível, razão incontestável para relembrar o gosto inesquecível daquela pessoa que mudou nossos passos, gestos e hoje, infelizmente nos considera gasto, empoeirado. A saudade é a sombra maldita que não precisa da luz solar para nos seguir por cada calçada da vida. Ela repousa num banco de passageiros vazio, dorme em nossa insônia, esconde-se nos presentes que prendemos em caixas lacradas, blindadas pelo medo de encarar as memórias boas.
Ela transforma comercial de televisão em lágrimas reais, faz homem barbado virar menino ansioso em dia de natal, como um cachorro que espera o dono todo dia ao pé da porta, mesmo que esse nunca mais volte pra casa. A saudade enlouquece, embriaga, faz o mundo todo ter uma só cara e nenhuma cura. A saudade é um bar que já saiu rotina, um prato de risoto que foi comido antes do gozo, um beijo único no meio do olho. É o medo de perder uma peça em meio à multidão e nunca mais encontrar outro alguém que encaixe tão bem nesse quebra-cabeça. Saudade é temer a vinda do novo e teimar em achar que o velho sempre será a melhor parte dessa obra de arte, chamada vida.
A verdade nua e crua é que ninguém nesse palco real está imune ao pesar da saudade, a dor latejante das inevitáveis partidas e aos planejamentos que talvez permaneçam inacabados até o fim da vida, esquecidos numa lista eternamente guardada no fundo da gaveta, mas nunca jogada fora. Desconheço alguém nesse universo grandioso que não tenha perdido o chão, a cabeça, a pose e até mesmo a sanidade quando deu de cara com esse tal sentimento com aparência de muralha intransponível e cheiro de fotos velhas. Não existe colete à prova de saudade, nem formas de blindar nossa vida dos estilhaços daquilo que vai e nem sempre volta.”


Ricardo Coiro 

Resto de uma saudade


O cheiro do teu perfume, 
Resto de uma saudade
Louca vontade em te ver, 
Mas não vou te procurar

Acho que não adianta correr atrás deste amor 
Se já o perdi de vista, não achei rastro nem pista
Somente o tempo irá encontrar
Acho que não adianta correr atrás deste amor

Quem dera ele estivesse perto 
Deste teu olhar, meu sonhar, meu viver
Teu cheiro em outra pessoa 
E o meu pensamento em você

É impossível te esquecer, meu amor
Teu cheiro em outra pessoa 
E o meu pensamento em você
É impossível te esquecer