Contradição



 

Me disseram que eu precisava lidar com isso. Mas quem tem coragem ou mesmo habilidade pra desacatar o que sente? Quem sabe eram maiores as chances quando era um mero pressentimento. Um preâmbulo desse trem-bala. Uma sirene alertando que eu iria zarpar de mim.

Certo, tudo bem, você pode suprimir aquela comoção, como quem finge esquecer morangos rubros, outonais e suculentos na geladeira. Mas vamos encarar os fatos, ninguém esquece morangos na geladeira. Você sempre sabe. Eles estão lá e mexem contigo. Você espera o dia inteiro, às vezes a vida toda pra mordê-los de jeito. Morangos podres são lastimáveis.

Você pode dar na minha cara. Eu te perdôo. Mas não é assim que se põe os pensamentos em ordem. Eu mesma tentei esbofetear minha intuição, meus vazios, minha paixão, minha consciência íntima, meus pêsames. Não é assim que as coisas voltam pro lugar, se existe uma maneira de fazê-lo.

Não entenda errado, eu amo você. Você será o pai dos meus filhos. Faço questão. Ninguém vai tomar seu lugar de meu melhor amigo, mais sincero amor. Entende? Diz que você me entende. Eu preciso que alguém compreenda isso e me explique esse amor. É que, não sei como dizer, eu me apaixonei por outro.

A culpa, se existe alguma, não é sua, pertence a quem criou cada pessoa diferente da outra - ele tem coisas que você nunca terá, nem eu seria capaz de exigir. Que tipo de coisas? Não cabe agora dizer, você nem mesmo vai acreditar, são belezas que só eu consigo ver, sentir, tocar, adorar. Por mais que você tente, nada será igual.

Ou vai ver a culpa é toda minha, por não ter medo de viver meus próprios desejos, comer os morangos. Meu destino é você? Eu sei. E eu aceito esse meu destino. Mas acho que o destino é uma condição que a gente só fica sabendo qual é no fim das contas, como um muro construído aos poucos, com tijolos de acaso.

Você provavelmente vai me mandar lavar a boca agora, mas eu respeito você. De verdade. Mas amor, esse novo amor, forte amor, feito muito mais de desejo do que qualquer tipo de medo, não respira onde há reverência. Respeitar é uma forma de temer, evitar a colisão. Respeitar é acatar, cumprir, poupar, honrar, pertencer. O diabo do respeito nunca me deixou rir.

É por isso que não se ama e respeita a mesma pessoa. O amor é uma nave desgovernada trucidando o que vê pela frente, sem considerar nada que separe: ausência, poder, submissão, reverência. É por isso que não existe pra mim uma explicação plausível ou sonora, que grite mais alto que a minha contradição. Quando o medo não evita, o amor acontece

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comenta aí !!!!